O surf e a conservação do Atlântico: proteger as ondas dos Açores

Os Açores sempre foram um destino mítico para os surfistas portugueses e europeus. Quando olho para o mapa do arquipélago, as lendas e a busca pela Atlântida vêm imediatamente à minha mente. O sussurro de ondas gigantes quebradas em rochas vulcânicas sempre mexeu com o meu espírito, assim como com o de tantos outros antes de mim.

Miradouro de Santa Iria
Foto de Ryan “Chachi” Craig

A minha primeira expedição aos Açores foi no inverno de 2012-2013, seguindo a dica do meu treinador e mentor, Zé Seabra. Junto com Eric Rebiere, Marco Medeiros, Joana Andrade e o carioca Garoupinha, parti com o objetivo de mapear e encontrar ondas através do projeto EDP MarSemFim.

Começámos pela ilha de São Miguel e a nossa busca conduziu-nos a dois épicos recifes exteriores, o Baixio de Santana e o Baixio da Viola. Foi a realização de um sonho: encontrámos, no meio do Atlântico, ondas incríveis que nunca haviam sido surfadas.


Este foi o início de um caso amoroso com estas ilhas, já que comecei a viajar a cada temporada e a montar a equipa certa para encontrar e surfar estas ondas míticas.


Surfar nos Açores remete-me para a essência daquilo que é tão magnético neste desporto.

O surf torna-se uma experiência de natureza selvagem, já que as condições no meio do Atlântico estão em constante mudança e o sucesso nunca está garantido. E, além das ondas, existem ecossistemas de surf únicos e biodiversos que abrigam tanta vida e força, mostrando a beleza crua da natureza.

Areal de Santa Bárbara
Foto de Ryan “Chachi” Craig

VOLTAR AOS AÇORES COM A SAVE THE WAVES


Como surfista de ondas grandes, e embaixador da Save The Waves Coalition e da Patagonia, tive o privilégio de visitar muitos destinos de surf incríveis por todo o mundo.

Quando a Save The Waves me convidou para regressar aos Açores, este local que tanto admiro, e, melhor ainda, com uma oportunidade de retribuir, senti que estava pronto para partir. Ademais, juntei-me à Save The Waves durante a sua criação em 2005 e ajudei a criar o seu programa World Surfing Reserve.

Estão neste momento a desenvolver o seu mais novo programa, o Surf Protected Area Networks (SPANs), que identifica, prioriza e protege ecossistemas de surf em todo o mundo. E os Açores foram incluídos neste novo projeto inovador.

Os Açores encontram-se num momento crítico e na vanguarda da criação e gestão de uma vasta rede de Áreas Marinhas Protegidas. Os Açores estão inseridos no hotspot de biodiversidade do Mediterrâneo e são considerados um refúgio de espécies endémicas. O meio marinho tem um imenso valor cultural para os Açores.

O surf está nesta fantástica posição para contribuir e ajudar no processo de proteção dos recursos costeiros e marinhos dos Açores através do surf de conservação – uma abordagem que irá beneficiar e sustentar todas as comunidades costeiras açorianas locais.

Marina de Vila Franca do Campo
Foto de Ryan “Chachi” Craig

Conclusão: a sua inclusão nesta nova iniciativa de conservação global tem muitas possibilidades.

Comecei então o meu trabalho como Coordenador Regional dos Açores. Ao fim de todos estes anos, tem sido incrível voltar à ação com a equipa do Save The Waves, utilizar o meu conhecimento da cultura portuguesa e das ondas e ter um papel ativo neste oceano.

O SURF NAS COMUNIDADES AÇORIANAS

O trabalho da Rede de Áreas Protegidas do Surf dos Açores começou com a identificação e pesquisa de surf breaks nas ilhas. Para mim, isto significou conexões terrestres, entrar nos lineups e conversar com os surfistas cujas ondas esperávamos proteger.

Os surfistas locais nos Açores são algumas das pessoas mais empenhadas e apaixonadas que conheço.

Historicamente, o oceano representa um local de perigo para muitos açorianos, um local de onde os pescadores por vezes nunca regressam e onde as tempestades devastam comunidades. Por isso, olhar para o mar como fonte de alegria e lazer é um conceito relativamente recente para as ilhas.

Jácome Correia, de São Miguel, é o único jovem surfista profissional das ilhas e agora outros jovens Groms como Francisco Benjamin, também de São Miguel, e Helena Moniz, da Ilha Terceira, estão a mudar o paradigma do desporto e das comunidades do surf nas ilhas.

À semelhança da Ericeira, Peniche e Nazaré, em Portugal Continental, o surf incentiva agora uma nova geração de pescadores e entusiastas do litoral que se perderam quase por completo devido à dura realidade de sobrevivência em ilhas e costas isoladas, no poderoso Oceano Atlântico.

Depois de todos estes anos, o surf nos Açores ainda me traz de volta às raízes do desporto.

Praia do Pópulo
Foto de Ryan “Chachi” Craig

TRAZER FILMES E A CONSERVAÇÃO ATRAVÉS DO SURF PARA OS AÇORES

De 17 de setembro a 1 de outubro, o Festival de Cinema Save The Waves percorreu as ilhas de São Miguel, Terceira, São Jorge, Faial e Pico.

Foi uma maneira incrível de reunir a comunidade do surf e aprender sobre os problemas locais. Aprendi muito sobre o festival de cinema e sobre o seu impacto nas comunidades. Afinal, os fundadores da STW, Will Henry e Josh Berry, criaram o conceito para exibir filmes impactantes e encorajar conversas ponderadas sobre a proteção dos spots de surf.

Mas o festival de cinema ofereceu mais do que surf e filmes ambientais.

O nosso tour também incluiu workshops, onde compartilhámos o trabalho que a Save The Waves tem feito em torno de SPANs, incluindo o nosso Índice de Conservação do Surf recentemente concluído.

Essas oficinas reuniram surfistas locais, ONGs conservacionistas, governos locais e escolas para discutir as ameaças aos spots de surf nas ilhas. Juntos, como uma Aliança, discutimos como e porque os ecossistemas do surf devem ser priorizados nas tomadas de decisão relativas à conservação e enfatizamos a importância da comunidade do surf para proteger as suas ondas.

Pessoalmente, tendo estudado Economia, este foi um excelente fórum para falar sobre a Economia Azul e como o turismo sustentável pode ser incrivelmente benéfico para o desenvolvimento da ilha. Por meio destes compromissos locais, pudemos criar conversas sobre quais tipos de turismo são os melhores para a região e como o surf pode ser uma ponte para um turismo de baixo impacto que prioriza a saúde do ecossistema do surf.

Por fim, os workshops e o festival de cinema mostraram como a conservação através do surf pode ser uma ferramenta para as comunidades locais nos Açores promoverem a conservação dos oceanos e fornecerem meios de subsistência sustentáveis.

O FUTURO E AS SUAS POSSIBILIDADES


Apesar das esperanças de conservação através do surf nos Açores, assistimos também ao que acontece quando os ecossistemas do surf não são priorizados e o valor do surf não é reconhecido pelos decisores. Rabo de Peixe, na ilha de São Miguel, foi uma das ondas mais consistentes dos Açores e infelizmente foi perdida para um porto de pesca. A comunidade da ilha Terceira está a lutar contra um projeto de urbanização costeira do Terreiro, na costa sul da ilha, que vai mudar para sempre uma onda célebre.

Porto de Rabo de Peixe
Foto de Ryan “Chachi” Craig

Estas ameaças e perdas destacam a importância de envolver a comunidade do surf nos processos de tomada de decisão locais.

Apesar desses desafios, a nossa viagem reafirmou, pessoalmente, a minha esperança em pequenas ações e movimentos que promovem grandes mudanças para as próximas gerações.

Através dos surfistas, podemos ajudar a reconhecer e expressar plenamente os imensos valores culturais, económicos e recreativos que os spots de surf têm nos Açores.

É por isso que precisamos priorizar e proteger os ecossistemas do surf agora, enquanto podemos, para que a economia do surf, a natureza e as pessoas possam prosperar no futuro.

Foram três semanas agitadas nos Açores e, através de uma equipa incrível, conseguimos estabelecer ligação com tantas pessoas e iniciar o processo de criação de uma Rede de Áreas Protegidas de Surf em todas as ilhas.

O trabalho continua. Mal posso esperar para voltar e continuar a nossa missão de proteger estes ecossistemas vitais do surf!

Um agradecimento especial do Save The Waves ao VisitAzores
Agradecimentos adicionais à Azores Wine Company, Azores National Parks, Colab + tlantic, SATA Azores Airlines, Surfrider Europe – Azores Chapter

Texto escrito por João de Macedo

Foto de Mariana Valência e João de Macedo por Ryan Chachi Craig

Deixe o seu comentário | Leave a reply