Ser tripulante na SATA Air Açores

“Mais do que um trabalho, é uma missão.”

O comissário de bordo reparou na senhora logo que ela entrou no avião. De todos os passageiros aos quais auscultara, discretamente, a disposição, ela era a que parecia precisar de mais cuidados. A tensão no seu rosto revelava um incómodo qualquer. Teria medo de voar? Estaria numa situação frágil? Não sabia, mas reparara que estava sozinha e assustada.


Assim, em todos os minutos que encontrou entre as tarefas na cabine, o tripulante sentou-se ao seu lado, segurando-lhe a mão, numa altura em que ainda era possível fazê-lo sem pensar em Covid. No fim do voo a passageira sorria e nunca esqueceria o gesto do João Paulo Costa.

Profissionalismo ou empatia?

Não é raro os passageiros da SATA Air Açores sentirem que os tripulantes antecipam as suas necessidades e têm uma atenção especial, muito familiar, para com eles. Com passageiros frequentes, principalmente, há uma pergunta pela família, pelo trabalho ou apenas pela disposição. Isso deve-se, em parte, à formação que têm.


Mas, nos Açores, é muito mais do que isso. Os nossos tripulantes têm presente, de uma forma muito pessoal, o que é ser “ilhéu”. Sendo também ilhéus, conhecem na pele as particularidades de viver em ilhas maravilhosas, mas que, no inverno, chegam a ser bem temperamentais e até um pouco assustadoras para quem não fez do voo a sua profissão. ​​​​​​​

Chefe de Cabine – Nélia Pavão

O trabalho de um tripulante da SATA Air Açores: na prática

A melhor forma de perceber o trabalho de outra pessoa é colocarmo-nos, literalmente, no seu lugar e abraçar as suas tarefas durante algum tempo. Como é evidente, nem sempre é possível, mas observar também ajuda a entender.  Por isso, acompanhámos um dia de trabalho de uma tripulação da SATA Air Açores composta pelo Comandante José Botelho, o Copiloto Pedro Cambraia e os Chefes de Cabine Carlos Gouveia e João Paulo Costa.

O dia de trabalho começou às 7h10 na sala de briefing onde, após se apresentar, a tripulação deu início à análise do processo de voo onde se verificou o plano de voo, fez-se a análise detalhada das condições meteorológicas para se proceder, de seguida, ao cálculo de combustível.  

Verificou-se, ainda, a lista de passageiros e os casos especiais, tais como o transporte de macas ou passageiros em cadeiras de rodas, entre outras situações.

Ida para a sala de briefing

Toda a tripulação entrou a bordo vinte minutos antes dos passageiros, para garantir que a aeronave se encontrava pronta a efetuar o serviço de voo. Foram seguidos os “checklists” de segurança, de equipamento de emergência e sistemas do avião, de catering e de limpeza.

Chefe de Cabine – Carlos Gouveia
A bordo
Verificação de sistemas – Chefe de Cabine Carlos Gouveia

Enquanto isso, no cockpit, teve lugar a inspeção de segurança e a preparação para o voo durante a qual os tripulantes de cockpit verificaram e ligaram todos os equipamentos.  Depois de um vasto conjunto de procedimentos obrigatórios, foram efetuados os cálculos de performance da aeronave para a descolagem.

Comandante José Botelho

Oficial Piloto – Pedro Cambraia

O dia decorreu numa sequência de seis descolagens e aterragens, onde foi necessário executar, repetidamente, vários procedimentos e acomodar passageiros, numa janela de tempo de 25 minutos, de modo a garantir os necessários e exigentes níveis de segurança e, também, que os voos estejam sempre com bons níveis de pontualidade.

Atenção e foco constantes

“Situation awareness” é uma expressão presente em todos os momentos de trabalho de um tripulante de cabine. Significa ter um bom nível de consciência do meio envolvente, de modo a reunir todos os dados necessários para tomar a melhor decisão possível em caso de necessidade ou emergência.

Um dia normal de trabalho regular tem, normalmente, seis aterragens, podendo chegar a oito, se necessário.  Tendo em consideração que a maior parte do dia de trabalho é passado em fases críticas, ou seja, aterragens e descolagens, já podemos prever o nível de exigência e cansaço que a função implica.

Chefe de Cabine – Nélia Pavão

“Nos dez ou quinze minutos de voo que temos livres de procedimentos previamente estipulados, a atenção é sempre para o ambiente de cabine e para os passageiros. Temos, também, de verificar constantemente se a bagagem está devidamente acomodada, principalmente nos casos de turbulência. E, num instante, já estamos a aterrar e começa tudo de novo com novos passageiros, novo ambiente e uma renovada necessidade de atenção”  explica Nélia Pavão que, sendo chefe de cabine tem, ainda, à sua responsabilidade a gestão da cabine e a ligação com o cockpit e com os colegas de assistência em terra.

Flexibilidade, resiliência e capacidade de decisão

Há algum tempo, uma passageira que viajava com a sua equipa para um torneio desportivo noutra ilha, esqueceu-se do telemóvel na sala de embarque.  A chefe de cabine decidiu informar o comandante que, por sua vez, decidiu solicitar aos colegas de assistência em terra ajuda para tentar encontrar o telemóvel e a passageira poder viajar tranquila.


Nem sempre é possível proceder desta forma. Um atraso, mesmo que de cinco minutos, pode colocar em causa os voos do dia e provocar muitos transtornos para a empresa e para os outros passageiros. Neste caso, devido a uma série de condicionantes favoráveis, foi possível e, em pouco tempo, a tripulação tomou a decisão que não só tranquilizou a passageira como evitou uma série de transtornos que as diligências de procura do telemóvel iriam provocar à empresa mais tarde.


É sempre necessário decidir tendo em consideração a situação global de todo o serviço da SATA, que vai muito além do transporte efetivo de passageiros num avião.

Uma profissão onde cabem muitas outras

“Está tudo bem. Não se preocupe porque vai chegar ao seu destino em segurança.” afirmava a Nélia, segundos depois de ter decidido levantar-se para dar apoio emocional a um passageiro, que notara especialmente ansioso. Olhando nos olhos do passageiro e pegando-lhe nas mãos, tranquilizava-o evitando, também, uma situação de pânico generalizado na cabine. O nível de turbulência do voo, neste dia de inverno, recomendava que os tripulantes estivessem sentados e com o cinto de segurança colocado. Mas, perante um passageiro que entra em pânico, é comum um tripulante sair do seu lugar para o acalmar e transmitir-lhe segurança.

Esta decisão é tomada tendo sempre por premissa a manutenção da segurança dos passageiros, colegas e cockpit.

É nestas situações que os tripulantes têm de mostrar as suas capacidades multifacetadas para acolher as mais variadas necessidades dos passageiros, transformando-se, muitas vezes, em enfermeiros, polícias, professores, psicólogos, amigos, e o porto seguro de quem, por exemplo, tem fobia de voar.


A sensibilidade às dificuldades que os passageiros possam estar a enfrentar são, também, atributos muito importantes num tripulante de cabine. 

Chefe de Cabine – Carlos Gouveia

Carlos Gouveia conta-nos uma situação em que, um pouco antes da descolagem e já com o avião a deslocar-se na pista, um passageiro entrou em pânico e pediu para sair do voo. Conversou com ele, com bastante empatia e, percebendo que ele estava mesmo muito ansioso, tratou de tudo, com a restante tripulação, para que o passageiro pudesse sair. “Anos mais tarde, durante um voo, o senhor veio ter comigo, apresentou-se e agradeceu o cuidado que tivemos na gestão da situação. Na altura, o medo de voar já estava ultrapassado.” conta-nos o chefe de cabine.

O dia em que acompanhámos o trabalho de uma tripulação SP, foi também o último dia de trabalho do chefe de cabine João Paulo Costa. Foram mais de 35 anos de carreira na SATA Air Açores, desempenhando as suas funções com boa disposição, competência e simpatia. O dia de trabalho foi, por isso, pleno de abraços apertados, desejos de felicidade, saúde e sorte, e também algumas lágrimas de comoção de quem abraça uma fase boa da vida, deixando um trabalho que é como uma segunda casa.

João Paulo falou-nos da emoção que sente quando vê a alegria dos emigrantes que vêm de visita aos Açores, da forma como os seus olhos brilham ao sentir o cheiro das suas ilhas, e de como não consegue deixar de se entristecer quando os vê partir, de coração apertado.

Conta-nos, ainda uma das histórias mais engraçadas que viveu:

Chefe de Cabine – João Paulo Costa

Sentido de Missão e o carinho dos passageiros

A SATA Air Açores faz parte da história pessoal de cada açoriano há quase oitenta anos. A sua missão vai muito além do transporte comercial de passageiros entre as nove ilhas do arquipélago. A principal missão da SATA Air Açores é estar sempre presente para os açorianos, a unir o que o mar separa, principalmente nas circunstâncias mais difíceis.


Talvez seja por isso, e por sentirem que a SATA é sua, que os açorianos têm uma relação muito especial com a companhia aérea e com os seus trabalhadores.  Como família, defendem a SATA com energia, mas, naturalmente, também exigem que a companhia corresponda à grande expetativa que têm.

Nos Açores, é notório o apreço e a proximidade que os passageiros sentem em relação à SATA Air Açores.

“Existe um reconhecimento especial pelo trabalho prestado aos açorianos pela SATA Air Açores, principalmente nas ilhas mais pequenas.” conta-nos o comandante José Botelho, que liga as ilhas dos Açores por ar há mais de duas décadas e meia.

Muitas ilhas mais pequenas dependem da SATA Air Açores para o transporte de pessoas para consultas médicas de especialidade, no caso de nascimentos de bebés e, muitas vezes, para ter acesso a mantimentos e outros bens essenciais, quando as condições meteorológicas não permitem que os barcos circulem entre as ilhas.

Em 2020, durante a fase de emergência causada pela pandemia de Covid-19, a SATA Air Açores criou condições para garantir o transporte de carga prioritária, como medicamentos, material de uso médico e bens de primeira necessidade, aumentando a capacidade de carga do Dash8 Q200 operando numa versão alternativa Passageiros / configuração de carga. Em paralelo, ao abrigo de uma legislação especifica, a SATA Air Açores obteve uma autorização especial por parte da Autoridade Nacional da Aviação Civil, para converter um DASH8 Q400 em cargueiro, de forma a garantir o transporte de carga e correio entre os Açores/Continente/Açores. Também nestes meses foi notório o orgulho que se sente em trabalhar na SATA.

Comandante José Botelho

Servir os Açores e os açorianos é como servir a própria família e os amigos mais queridos, unindo o que o mar separa. É esta a missão da SATA Air Açores e das suas tripulações.

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