A SATA nas décadas de 50 e 60

As histórias fazem mais do que retratar acontecimentos do passado e proporcionar entretenimento. Se as escutarmos ou lermos com atenção, somos transportados para um lugar onde os eventos têm uma magia muito particular e onde até os desafios próprios de outrora emprestam um carácter poético às atividades rotineiras.

A história que lhe trazemos integra o livro “Tu És Livre” de Isabel Portugal, que trabalhou na SATA por muitos anos, e foi escrita pelo seu pai, Viriato Portugal, que começou a trabalhar na SATA em 1948 – nos primórdios da sua fundação -, e cuja vida nunca se dissociou da empresa onde tinha tanto orgulho em trabalhar.

Viaje connosco até à SATA dos anos 50 e 60.

Aeroporto de Santa Maria – Anos 50


Lembro-me de que os voos se iniciavam pelas 08:00 com a rota S. Miguel/Santa Maria. Os escritórios da Rua dos Mercadores 7-11 abriam pelas 06:00 para despacho e receção de correio e mercadorias, transportadas em veículo privativo da SATA entre Ponta Delgada e Santana. Os funcionários de serviço em Ponta Delgada tinham forçosamente que se levantar bastante cedo pois, além do mais, palmilhavam o caminho de suas casas até ao escritório!

De modo muito especial, recordo a partida dos emigrantes com destino aos EUA, com cenas lancinantes de gritos e alguns desmaios na despedida de seus familiares!

Posteriormente, começamos a assistir às suas visitas em romagem de saudade para as Festas do Senhor Santo Cristo, com chegada a Santa Maria nos aviões da PAA DC6B e DC7 (Seven Seas). As emoções agora eram de júbilo e alegria.

A SATA dispunha dos DH104 DOVE CS-TAB e CS-TAC com 9 cadeiras e com uma capacidade /peso de 700 Kgs, que não permitia mais do que 8 passageiros adultos e sua bagagem, ou então 9, desde que incluíssem crianças (2/12 anos).

Era o oficial de tráfego quem orientava a entrada dos passageiros no avião e apertava os cintos de segurança, principalmente àqueles que não o sabiam fazer! Só depois fechava a porta do avião e dava sinal ao comandante para arrancar.

Estes aviões eram bonitos e elegantes. As cadeiras – tipo poltrona – eram bastante confortáveis, e dispunham de uma visibilidade extraordinária, com espaço lateral razoável. Todos os passageiros eram sujeitos a pesagem!

Outro detalhe importante era o facto de que estes aviões, quando não transportavam passageiros ou carga, tinham sempre que dispor de determinado peso em lastro (creio que cerca de 200 Kgs na bagageira da retaguarda) tendo em conta o seu equilíbrio. Quando o tráfego era intenso entre S. Miguel/Santa Maria, no regresso, com pouco movimento, recorria-se aos areais daquela ilha, para transportar areia devidamente acomodada em sacos de 50 Kgs cada!

Fiz a minha estreia no cockpit destes aviões! Recordo-me daquela sensação de leveza extraordinariamente agradável, de voar no nariz de um avião! Na porta do cockpit havia uma pequena portinhola, por onde o segundo tripulante verificava se os passageiros estavam bem. Na generalidade, os passageiros viajavam com os olhos fechados … fingindo dormir!

Em 1958, já ao serviço em Santa Maria, tive a agradável surpresa de, sob a proteção de um passageiro, abrir a porta do avião para desembarque e receber o meu filho António com 5 anos de idade que, quis muito visitar-me e conhecer o trabalho do pai! Regressamos ambos a S. Miguel passadas 2 semanas.

Só em 1964 e 1965 foram adquiridos, remodelados e beneficiados os DC3 CSTAD e CSTAE. O movimento dos passageiros disparou praticamente em flecha!

Em Agosto de 1969, aquando do encerramento do Aeródromo de Santana e inauguração do Aeroporto de Ponta Delgada, um dos aviões DOVE da SATA, ao descolar teve de aguardar em voo cerca de uma hora e tal, de modo a dar tempo ao único controlador de tráfego aéreo – que assistia às operações de descolagem e aterragem – que percorresse de carro a distância entre Santana e Ponta Delgada!

Fui passageiro nesse voo – em conjunto com outros 7 colegas, os mais antigos na altura – tripulado pelo Comandante Augusto Galhardo e pelo Mecânico M. Carvalho, onde tivemos o belo prazer de reiterar as qualidades de tão extraordinário piloto, o qual nos agraciou com as suas fantásticas habilidades, tais como, passar por entre os morros dos Mosteiros ou descer e quase amarar nas Lagoas das Sete Cidades!

Mais tarde, como único passageiro de Santa Maria para S. Miguel, e agora sob o comando do Comandante J. Tércio, voamos a baixa altitude a corricar, como quem está a pescar!

Santa Maria foi, sem dúvida, a verdadeira escola e pioneira da aviação comercial. Além da Pan American e, mais tarde, a TWA e Canadian Pacific, bem como a própria TAP, estas companhias transitavam com horários regulares; muitas outras companhias charter também por ali passavam – Los Angeles Air Service, Capitol Airlines, Slick Airways, Flying Tiger Line, Airlift, Seabord & Western, etc… Estas companhias, quando originadas da Europa para EUA, escalavam Santa Maria. A outra rota, mais a norte e um pouco mais curta, utilizava os aeroportos de Shannon/Irlanda e Gander/Canada.

Foi então que assisti, por variadíssimas vezes, logo após a invasão da Hungria, à passagem de algumas dezenas de aviões, com fugitivos daquele país e com destino aos EUA!

Um pouco mais tarde, e a bordo de aviões da Companhia Cubana de Aviação, contactei com centenas de cubanos, também eles fugitivos da sua terra e com destino a Espanha!

Viriato Portugal, outubro de 2001”

Texto retirado do livro “Tu És Livre” de Isabel Portugal.


Deixe o seu comentário | Leave a reply