Próxima paragem – ilha Terceira

Durante a sua existência de vários séculos, esta foi uma ilha onde se escreveram episódios diretamente relacionados com a História de Portugal e do Mundo. Dois reis de Portugal fizeram aqui a sua capital. E, já nos nossos dias, foi na ilha Terceira que se decidiu o futuro do mundo livre. Não é apenas um pedaço de terra perdido no meio do Oceano Atlântico. É uma ilha com histórias para a grande história.

Quando dizemos, como no título, que vamos falar daquela que é “A ‘primeira’ ilha de Portugal”, tal não é para ser entendido literalmente pelo leitor como sendo esta a principal ilha do país ou aquela que, geograficamente, será a primeira de Portugal ou até a mais populosa. A designação do nosso título é apenas uma livre justiça poética e histórica que podemos fazer a uma ilha que já foi declarada capital de Portugal em várias ocasiões da História da Nação e que, fruto do seu nome, podemos dizer que mereceria ser elevada de “Terceira” a “Primeira”. Ao contrário do que muita gente possa pensar, a Ilha Terceira não tem este nome porque foi a terceira ilha a ser descoberta entre as noves que perfazem a totalidade do arquipélago dos Açores. A ilha do dito “Grupo Central” começou por se chamar Ilha do Nosso Senhor Jesus Cristo das Terceiras, sendo a designação numérica a indicação de que se tratava do terceiro arquipélago descoberto pelos navegadores do Atlântico. O arquipélago das Ilhas Canárias eram as “Primeiras”, as ilhas da Madeira e Porto Santo foram as “Segundas”, cabendo depois aos Açores a designação de “Terceiras”. Foi apenas com o passar dos anos que o nome original acabou por ser aprimorado até uma designação mais simplificada que culminou com o atual nome de Ilha Terceira.

Ao longo da nossa visita devemos ter presente que estamos a fazer um passeio pela História. E isto começou num lugar cuja origem remonta ao ano de 1450, quando o príncipe Henrique, conhecido como “O Navegador”, filho do rei de Portugal D. João I e da princesa inglesa Filipa de Lencastre (irmã do rei de Inglaterra Henry IV, a partir do qual o príncipe português recebeu o nome), entregou a primeira capitania da Terceira ao nobre flamengo Jácome de Bruges. As ilhas encontravam-se desabitadas, pelo que foi pela mão do flamengo que começou o povoamento, cumprindo a indicação do príncipe português de o fazer com “gente católica”. As primeiras povoações ocuparam as áreas onde hoje temos Porto Judeu e Praia da Vitória. As condições de vida desenvolvem-se através da atividade económica essencialmente assente na agricultura, onde abundam os cereais. Com o passar dos anos e o desenvolvimento das navegações pelo Atlântico, fruto das viagens dos portugueses para a Índia e ainda a descoberta da América, a Ilha Terceira assiste e participa nesses acontecimentos mundiais estrategicamente colocada no meio entre o Novo Mundo e o Mundo Antigo. Isso permite também que cheguem às suas costas alguns resultados negativos na forma de ambiciosos corsários de várias nacionalidades, como ingleses, franceses e flamengos. Os passeios pela costa de certeza que nos levarão a imaginar muitos desses anos passados.

Será, contudo, no final do Séc. XVI, que a Ilha Terceira acabará por desempenhar, pela primeira vez na sua História, um papel principal nos destinos de Portugal. Após a morte do rei D. Sebastião, em Marrocos, na Batalha de Alcácer-Quibir, a 4 de agosto de 1578, o trono de Portugal ficou vazio. O rei, um jovem considerado “imprudente” e desejoso de repetir feitos de cavalaria dos seus antepassados, tornou-se numa “triste figura” quando calculou mal os perigos daquilo que julgava ser uma vitória fácil contra o “infiel” no Norte de África. Os anos seguintes a Alcácer-Quibir levaram a uma disputa pelo trono de Portugal, onde o rei de Espanha, Filipe II, era um dos mais empenhados nesse direito – procurando unir as posses comerciais de Espanha às de Portugal e que estavam definidas pelo Tratado de Tordesilhas, que remontava aos tempos da viagem de Colombo à América. Um dos pretendentes portugueses era D. António, o Prior do Crato, descendente do rei D. Manuel I e que chegou mesmo a ser aclamado rei, em Santarém, a 24 de julho de 1580. Porém, o poderio militar de Filipe II falou mais alto e, a 25 de agosto daquele mesmo ano de 1580, D. António perdeu a Batalha de Alcântara perante o Duque de Alba. De fuga em fuga por Portugal, passou depois por Inglaterra e França até que, em 1582, acabou por fixar-se na Ilha Terceira, onde contava com grande apoio popular. Esse apoio resultara da resistência dos terceirenses contra os espanhóis e que já tinha sido posto à prova na Batalha da Salga, a 25 de julho do ano anterior. Com o poder de Lisboa nas mãos de Filipe II – que costumava dizer sobre o trono de Portugal que herdou-o, conquistou-o e pagou-o -, é na Ilha Terceira que se encontrava o principal reduto de resistência aos espanhóis. O novo soberano ordenou então a invasão da ilha e a luta dos portugueses contra os espanhóis deu origem a um estratagema militar que é um dos mais bizarros da história militar mundial: foram utilizadas vacas contra os invasores de Espanha. O gado acabou por ser espalhado pelos campos em número considerável e, assustados os animais com gritos e tiros de arcabuzes, investiram contra os espanhóis, obrigando-os a recuarem. Muitos dos inimigos acabaram por encontrar a morte. Relatam fontes históricas que, do lado de Espanha, participam nesta batalha perdida dois grandes escritores. Um deles foi o fundador da comédia espanhola, Félix Lope de Vega. O outro chamava-se Miguel de Cervantes e, mais tarde, em 1605, quando publicou o livro que levaria à fama universal, “Dom Quixote”, de certeza que ainda teria na memória a luta contra vacas na Terceira quando o seu cavaleiro da “triste figura” investiu contra moinhos julgando que eram gigantes. O local da batalha é, ainda hoje, um dos locais de referência na Terceira. Durante o tempo em que D. António residiu na ilha, esta foi declarada a capital livre de Portugal e chegou aqui a ser cunhada moeda. A Casa da Moeda, localizada na Fortaleza de São João Baptista, seria o local onde se fizeram os “malucos” de 80 reis. Foi também desta ilha que, a 13 de fevereiro de 1582, o corregedor dos Açores, Ciprião de Figueiredo, mandou a Filipe II de Espanha uma carta onde se lê a frase “Antes morrer livres que em paz sujeitos”, e que é hoje a divisa dos Açores. D. António, que dizia ser o rei legítimo de Portugal, esteve na Ilha Terceira durante cerca de um ano, mas já não se encontrava aqui quando, em julho de 1583, dois anos após a Batalha da Salga, as forças espanholas, muito superiores em número e comandadas por D. Álvaro de Bazán, o vencedor da Batalha de Lepanto, foi feliz no domínio da ilha. A Batalha da Terceira ou Desembarque da Baía das Mós desencadeou o fim do reinado de D. António I de Portugal, decretado mais tarde, a 11 de agosto de 1583.

O domínio dos espanhóis só acabou com a restauração da Independência de 1 de dezembro de 1640, em Lisboa. Contudo, cerca de 200 anos depois, um outro rei de Portugal, também em luta pelo trono, veio a esta ilha fazer, pela segunda vez na História, a sua capital do Reino. Isso aconteceu quando o rei D. Pedro IV, então ex-Imperador do Brasil, estava em guerra contra o irmão, D. Miguel, naquilo que ficou conhecido como as Lutas Liberais. Data dessa época a derrota das tropas absolutistas de D. Miguel na Batalha da Praia, a 11 de agosto de 1829, promovendo uma vez mais a resistência da Ilha Terceira contra um poder que era considerado ilegítimo em Lisboa. Em março de 1832, D. Pedro IV aportou na Terceira transformando a ilha na principal base das tropas liberais e na capital de um Portugal livre de absolutistas. Com ele estava, entre outros, o escritor Almeida Garrett, nascido no Porto em 1799, e que viria a ser uma figura maior do Romantismo português. Garrett era sobrinho do Bispo de Angra, D. Frei Alexandre da Sagrada Família e conhecia bem a ilha, pois tinha passado aqui parte da juventude durante o tempo em que as tropas de Napoleão invadiram Portugal. Aqui estudou e viveu os primeiros amores. A casa onde residiu ainda hoje existe. O chamado “Exército Libertador” de D. Pedro IV ruma depois dos Açores para o Porto, onde o ex-Imperador do Brasil resistiu a um cerco durante quase um ano e que valeu depois à cidade nortenha o título de “Invicta”. Mas, tal como o Porto recebeu aquele título, também a Ilha Terceira veria duas das suas cidades serem acrescentadas com nomes distintivos. Foi Almeida Garrett, como deputado que, em 1837, redigiu os decretos onde a cidade e capital da Ilha, Angra, passou a chamar-se Angra do Heroísmo e Praia a ser Praia da Vitória.

A influência da Ilha Terceira na História não terminou com as Lutas Liberais. Cerca de 100 anos depois, com o fim da Segunda Guerra Mundial, instalou-se na ilha uma base aérea norte-americana, na zona da vila das Lages, no concelho de Praia da Vitória. Essa base, entre muitas das histórias que poderia contar, foi essencial, por exemplo, na ajuda norte-americana a Israel, em outubro de 1973, durante a chamada Guerra do Yom Kippur. Mais recentemente, foi na base na Ilha Terceira que, a 17 de março de 2003, na sequência dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, teve lugar a Cimeira dos Açores. O presidente dos EUA, George W. Bush, encontrou-se com o primeiro-ministro inglês, Tony Blair, assim como com os primeiros-ministros de Espanha e Portugal, José Maria Aznar e Durão Barroso, para decidirem a invasão do Iraque e o derrube de Saddam Hussein. A vocação da Ilha Terceira para figurar nas páginas da História só nos podem ainda querer tentar adivinhar sobre o que mais poderá vir a acontecer por estas paragens. Boa estadia neste pedaço da História do Mundo! 

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