O bom espírito das ilhas a bordo da SATA

Voar na SATA Azores Airlines é voar com os Açores a bordo. Não apenas porque grande parte dos tripulantes é residente ou natural dos Açores, mas porque os passageiros que embarcam são igualmente açorianos e carregam a atmosfera das ilhas consigo. A história que vamos contar reflete isso mesmo. O bom espírito das ilhas!

Ilustração de Magguy Lopes in Diário de Navegação – edição comemorativa dos 50 anos da SATA Air Açores.

Carpinteiro e Lopes foram pilotos na SATA Air Açores. Voaram anos a fio juntos e, destas viagens, nasceu uma amizade especial e muitas histórias para contar. Uma delas, viveram-na ainda no tempo do AVRO 748 que fazia as ligações entre São Miguel e Santa Maria e levava todos os que queriam passar para o lado de lá do Atlântico, no tempo em que as ligações entre os Açores e os Estados Unidos ainda não eram feitas pela Azores Airlines.

A bordo desta ligação de pouco mais de meia hora, veio uma banda filarmónica que tinha vindo de New Bedford para tocar na célebre procissão do Senhor Santo Cristo dos Milagres, na ilha de São Miguel.

Arquivo fotográfico privado: Eduardo Carpinteiro à esquerda e Rogério Lopes à direita. 

No voo de regresso, e antes da escala em Santa Maria, decidiram tocar uma última vez, em jeito de despedida da sua terra. Embora a porta do cockpit estivesse fechada, era impossível que o Cmdt. Eduardo Carpinteiro e o Copiloto Rogério Lopes não dessem conta da “sinfonia” que se tocava lá atrás.

Quem já assistiu à procissão do Senhor Santo Cristo dos Milagres consegue facilmente entoar de cor os acordes do hino. Para os que nunca tiveram esse privilégio, vale a pena procurar conhecer os acordes deste hino, que é tão familiar aos que vivem as tradições da Ilha de São Miguel.

De volta ao texto e à cabine do AVRO, finda a atuação improvisada da banda filarmónica, Carpinteiro e Lopes, em direto do cockpit, pegaram no microfone que habitualmente serve para falar aos passageiros acerca do estado do voo e decidiram colocar todo o seu talento na imitação de alguns instrumentos, como quem procura não passar despercebido. Ora, quem conheceu Carpinteiro  e Lopes sabe bem que nunca passariam despercebidos, mesmo no meio de uma sonora multidão. Mas não é que desta vez o empenho foi de tal ordem que a banda, lá atrás e por momentos, não percebeu que o som da batida do tambor, as cornetas, as cordas e outros instrumentos musicais saíam, afinal, das cordas vocais dos dois pilotos da SATA!

Claro que a brincadeira se deu por terminada a partir do momento em que os “artistas” se entregaram à igualmente audível gargalhada…  Mas, ainda assim e por instantes, é um facto que os músicos da banda que seguiam a bordo não desconfiaram que a origem dos sons provinha do cockpit.

É verdade que bandas a bordo, música no ar e a alegria tão boa do regresso a casa viveu-se e sentiu-se muitas vezes, ao longo dos anos, a bordo da SATA.  E é por isso que esta companhia aérea é tão especial quanto o destino Açores que sobrevoa há mais de setenta anos.

Mas pensando bem nesta história, e com jeitinho, talvez pudéssemos admitir a possibilidade de que Carpinteiro e Lopes estavam, afinal, bem à frente do seu tempo, tendo, quiçá, estado na origem da arte do “Beat Box”, algo que, só anos mais tarde, fez furor nas agitadas artérias de Nova Iorque. Improvável, mas não impossível…

Volvidos mais de quarenta anos, Rogério Lopes conta esta história com todo o seu entusiamo. Junta aos detalhes a sua voz, os batuques no tambor improvisado que é o tampo da sua mesa de jantar, e claro, a acompanhar o todo, percebemos sempre que vem aí, lá do canto do olho, aquela lágrima silenciosa e teimosa.

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