O VINHO ABAFADO CASEIRO, FEITO COM BASE EM SUMO DE UVA FERVIDO, AO QUAL SE ADICIONA AÇÚCAR MASCAVADO, DEIXANDO-SE DEPOIS DES- CANSAR, ATÉ SE PROCEDER AO ABAFAMENTO, ERA SERVIDO EM CÁLICE AOS CONVIVAS, POR OCASIÃO DO “MENINO MIJA”.
Todos os anos, no mês de dezembro da minha infância, os dias eram de expetativa, e não apenas por causa das prendas cuja aparição na chaminé nunca deixávamos de aguardar.
À medida que os dias iam decorrendo, vivia-se na cozinha o entusiasmo da maior festa do ano.
A azáfama tinha o seu início com a confeção do bolo de Natal. A minha mãe dedicava- se-lhe com algumas semanas de antecedência, para que ganhasse humidade e as frutas cristalizadas o dotassem de um sabor enriquecido. Sobremesa natalícia comum a todas as ilhas, há, no entanto, pequenas diferenças na sua composição: a fruta cristalizada pode ser substituída por nozes ou amêndoa torrada.
O “Menino mija” era um dos momentos altos na receção à família e aos amigos que a efeméride consagrava. Em minha casa, havia o costume de oferecer doces tradicionais, vinho abafado e licores caseiros, de amora, tangerina, leite ou funcho. As queijadas Dona Amélia, com mel de cana e canela, estavam reservadas para o dia em que a minha avó nos visitava, conhecida que era a sua preferência pela doçaria terceirense.
Depois, sendo a minha bisavó materna natural de Santa Maria, estava-lhe destinada a confeção de Sonhos e Cavacas daquela ilha, doces deliciosos que nos faziam aguardar a sua visita com particular ansiedade.
Mas não esqueço, ainda, as Espécies de S. Jorge, confecionadas com canela, pimenta e erva-doce moída; as Fofas do Faial, recheadas com creme de limão; os Pastéis de Arroz, da Graciosa; as Queijadas de Vila Franca do Campo; e a massa sovada; delícias que a minha mãe fazia questão de servir nesta época festiva, em que as horas de convívio familiar eram saborosas e longas à volta da mesa.